quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O Jornalista e as Vegetarianas


Esta é uma história, um conto, sobre um mundo que se modificou e de um personagem que não aceitava as mudanças, vale a pena ler sobre ele....
É uma resposta a críticas que nos fazem...
Coloco num blog, porque sempre acabo corrigindo aqui e ali, mas mais do que uma resposta é uma história e uma forma de se dizer o que se pensa a respeito neste mundo que discrimina e exclui o diferente, o novo e principalmente aquilo que não está em sintonia com o pensamento dominante.
Leiam e terão uma surpresa, ela muda de tom como cabe nos contos vegetarianos em tempos de preconceito....
Talvez alguns identifiquem aqui personagens que já conhecem, afinal andam fazendo caricaturas de alguns...
Contos veganos número 1,
(nota introdutória, na ocasião a palavra e o público criticado era o vegetariano, por isto se utiliza a expressão vegetarianos/vegetarianas na história, mas deve se atentar ao conceito de vegetarianismo ético conforme o texto apresenta)

O Jornalista e as vegetarianas...
A história ...
Era uma vez um jornalista de uma grande rede de imprensa numa cidade não tão grande, mas que de vez em quando figurava nas notícias da imprensa internacional.
Esta história aconteceu no tempo em que a espécie humana ainda usava animais para seu consumo. Usavam para comer, para testar medicamentos e até cosméticos, para vestir, para transporte e até para diversão. A lógica daquela época era o desenvolvimento a todo custo e usar o mínimo aproveitando-se o máximo e era considerado inteligente quem soubesse tirar o máximo proveito dos animais e da natureza e chamavam a isto de  sustentabilidade.
Como diversão usavam-nos de várias maneiras e até mesmo confinavam-nos em jaulas pequenas para que as pessoas pudessem vê-los de perto. Tudo isto era normal e eram considerados esquisitos os que não gostavam de utilizarem-se de animais como os demais.
Esta história aconteceu no tempo em que a população humana era tão numerosa e tão impensado era seu crescimento na Terra que o planeta entrou em colapso. Foi aqui que começaram a pensar que não podiam mais continuar assim, porque a natureza toda dava mostras de esgotamento e morte. No princípio muitos resistiram à idéia de mudança, principalmente à nova ideologia que começava a surgir. Nestes novos valores começava-se a falar em ecologia e respeito a minorias, respeito a diferenças, justiça social, dignidade inclusiva e até despontava muito incipiente a idéia de respeito à natureza por seu intrínseco valor.
O personagem principal desta história ainda resistia a alguns destes valores emergentes e gostava de fazer piadas de minorias, porque naquela época a liberdade individual tinha mais valor cultural do que a ética e o bem comum e este cronista desenvolveu um preconceito especial contra um grupo que começava crescer, os vegetarianos.
Ora, os vegetarianos representavam justamente esta nova ideologia; todo o avesso do que ele pensava e pregava. Ele gostava de disfarçar o preconceito dando um tom anedótico às suas crônicas, como se a liberdade de expressão e uma palavrinha mais bem humorada lhe garantisse um álibi para expressar sua antipatia. E isto aconteceu mesmo depois da psicanálise já ter difundido suas teorias que diziam que   uma piada "inofensiva"  encobria, na realidade, preconceitos em níveis menos conscientes e muito profundos; mas isto não poderia ser diferente, já que estes conceitos foram forjados a partir de muito condicionamento social.
Ele gostava também de fazer piadas de mulheres. Era muito comum fazerem piadas menosprezando as mulheres, de suas capacidades e habilidades. E ele era expert nesta prática. Estes grupos não eram os alvos exclusivos de suas piadas. Também os homossexuais e outras minorias eram tema de anedota em suas crônicas, mas nenhuma recebeu tantos textos como as vegetarianas!
Isto também aconteceu quando as mulheres começaram a conseguir não mais serem tão dominadas e subjugadas e puderam competir com os homens em espaços normalmente destinados a eles e passaram a gozar de direitos que sequer tinham até então. Quando ele se viu criticado por essas minorias acabou por ficar ainda mais preconceituoso e obcecado em criticar, a título de piada, muitas minorias, mas seu alvo preferido eram as vegetarianas!
As vegetarianas passaram a representar tudo que ele detestava, mesmo que dissesse algumas vezes o contrário. Eram mulheres que tinham ideologias diferentes da sua, que queriam o mundo diferente, com outros valores e com outra ordem...
Mas ele foi ficando cada vez mais amargo, rabugento e tão obcecado com as vegetarianas que não passava  semana sem que deixasse de tecer amargas críticas e muitas vezes sem disfarçar a irritação e o mau humor. O curioso é que ele dizia que eram elas que eram sérias ou agressivas, mas ele é que foi ficando cada vez mais sem graça, sem inspiração, impiedoso e obcecado e muitas vezes agressivo, como se tivesse licença ou alguma graça especial em ser assim tão raivoso!
Talvez isto acontecesse, porque aquele foi o período da grande mudança de ideologia e muitas pessoas foram ficando vegetarianas e veganas. O assunto estava em todos os lugares; até na rede de imprensa em que ele trabalhava!
E ele foi assim vivendo quase monotemático, fazendo piadas de minorias e das vegetarianas. Se estava revoltado com a legislação do país, com o trânsito ou com a crise acabava sempre falando das vegetarianas, mesmo que o assunto não tivesse nenhuma relação ou conexão com a temática. Tudo no mesmo tom previsível, crítico e repetitivo, projetando a elas, que nem podiam responder, a raiva que sentia do sistema, do resultado do jogo ou de um contratempo doméstico que porventura lhe acontecesse . Era como se elas fossem culpadas das desgraças, dos contratempos, de tudo ! Alguns diziam que aquilo era devido o significado de renúncia ou sacrifico que elas prenunciavam numa dieta que abolia a carne, um de seus prazeres, porque não dizer, ou porque muitos conceitos começaram a ir por terra e até o aquecimento terrestre estava relacionado com a dieta não-vegetariana!
Houve quem dissesse que ele não tinha o que falar; houve quem dissesse que ele não sabia o que escrever; houve quem dissesse que ele ficou assim rancoroso depois de um protesto bem humorado que as vegetarianas fizerem contra ele e que ele se sentira na realidade desmoralizado; houve quem dissesse muitas coisas. Mas ele foi criando quase um personagem de si mesmo: patético quando queria ser bem humorado, porque não conseguiu se desapegar de antigos valores e crenças. A liberdade que ele tanto gostava também de cantar em crônicas valia para ele; não para os outros, e muito menos para as vegetarianas!
E assim ele ia vivendo, destilando fel e agressividade, enquanto vivia sua vida, escrevia seus textos, publicava seus livros, e criava seus filhos nestes tempos de crise de paradigmas e de grandes mudanças. O mundo foi se transformando a sua volta e ele preso a mesma imagem de sempre, muita raiva, muita ironia que fracassava no humor contra seu alvo preferido.
As vegetarianas representavam o fim de seus valores, representavam um tempo de justiça e equanimidade entre homem e mulher e respeito às diferenças e o vegetarianismo era por demais ameaçador, porque representava o fim do único mundo que ele conhecia, talvez um mundo ou um tempo em que ele era senhor ! Era o fim de um universo de relações de dominação, de hierarquias, e é claro, o fim deste mundo calcado em valores que se opunham a este respeito e dignidade que estes grupos pregavam e buscavam, mas mais do que tudo, era uma realidade muito diferente do que ele estava acostumado a vivenciar.
Mas o final da história é que as mudanças prosseguiram com mais rapidez do que as próprias vegetarianas seriam capazes de imaginar naqueles tempos, mesmo em seu ativismo mais engajado. Muitos foram decidindo por mudar de dieta a sua volta e o que é pior, de ética!
Um dia ele chegou ao trabalho e viu que mesmo no programa de culinária a maioria dos pratos apresentados eram vegetarianos! E assim o mundo foi seguindo, tornando-se verde por todos os lados.
Outro dia foi pior ainda quando viu, ao chegar à TV, um novo programa sobre vegetarianismo e para lhe deixar mais contrariado ainda o programa era conduzido por uma mulher, vegetariana é claro, daquelas bem radicais que ele detestava mais ainda! Era ativista, ecologista, feminista e vegetariana e  realizada profissional e amorosamente e não sobraria nenhum espaço para suas piadas de mau gosto.
Mesmo assim ele prosseguia. Recebia protestos aqui e ali de minorias que ele ignorava totalmente e até mesmo diante de ameaças de boicote ao jornal ele jamais se deteve em suas críticas e ofensiva dirigidas ao alvo predileto. Ao contrário, tudo só fortalecia algumas idéias que ele tinha a respeito e o que elas representavam. Ele reagia a tudo com mais exaltação ainda!
Mas aos poucos as minorias começaram a ser maiorias e um dia ele chegou em casa e descobriu que seus filhos já não eram mais crianças, que estavam se tornando adultos e começavam a amadurecer e se opunham aos seus conceitos e os conflitos foram inevitáveis. Mas mesmo assim ele ainda prosseguiu inabalável.
Mas o pior golpe de todos, pior do que todos os protestos, boicotes, oposições, processos judiciais, pior do que tudo que vivera ao manter sua posição se fazendo de piadista de minorias, foi quando ele descobriu que todos na sua casa tinham se tornado vegetarianos, e daqueles bem radicais ! Tão radicais que tinham nojo de vê-lo comendo carne a sua frente e que se recusavam a usar couro e qualquer coisa que contivesse produtos de origem animal! Nem mesmo mel era permitido ! E para completar sua mulher pensava em fundar uma ONG para defender animais e os filhos faziam parte de um movimento vegano ultra radical, destes que soltam bombas em indústrias de remédios para libertar ratinhos da exploração humana e ameaçavam se mudar para poderem desenvolver melhor este ativismo ecológico extremo !
Aí ele não resistiu, a crise doméstica ficou insustentável, porque ele não podia mais levar um cachorro-quente para casa !
Foi aí que ele viu que ele era um dos últimos de sua "espécie". E demorou muito mais tempo ainda para ele se dar conta que o problema maior era a teimosia e a resistência, mas a raiva não lhe deixara ver e ouvir as mudanças e os sinais a sua volta e foi somente aí que ele se deu conta que tinha lutado contra a maré aquele tempo todo, porque aquilo tudo era inevitável!
Mas ele só conseguiu chegar a esta conclusão quando seus filhos de fato se mudaram para atuar seu ativismo mais revolucionário. Depois seu filho largou o ecoterrorismo para ser Promotor de Justiça , mas ainda ferrenho defensor dos direitos dos animais. Sua filha acabou na política onde desenvolvia o mesmo trabalho, a defesa dos animais e políticas que protegessem os vegetarianos no consumo. E sua mulher acabou lhe trocando por um vegano já de segunda geração que nunca tinha comido carne na vida e que se parecia uns 10 anos mais jovem do que ele apesar de ser da mesma idade que ele. Era um médico famoso, escritor de livros, palestrante internacional e com bastante conteúdo sobre o assunto e por ironia às vezes dava palestras na emissora em que ele trabalhava. Eles acabaram se conhecendo numa grande manifestação , justamente contra um dos grandes patrocinadores de sua emissora que ganhava muito dinheiro na exploração animal e o romance acabou acontecendo quando eles ainda eram casados. Ele até não chegou a saber disso naquela época, mas afinal a relação ficou insustentável e ela foi viver com o vegano e começou vida nova.

E como ele já não era mais tão jovem muitos colegas e amigos da mesma geração começaram a aderir à dieta vegetariana pelos seus benefícios à saúde, já que começavam a sentir os efeitos da idade e eram poucos os interlocutores para dividir sua indignação. Ele também já sentia o efeito do colesterol alto fruto das churrascadas do domingo e as costelinhas de porco que ele adorava e que o médico insistia que parasse . Mas mesmo sentindo os efeitos do excesso de colesterol no organismo que lhe afetavam a circulação e lhe traziam sérios prejuízos à saúde, ao seu bem-estar geral, e até a sua auto-estima masculina, ele ainda resistia em mudar.
E como ele ainda insistia no teor das crônicas e mesmo seu chefe foi substituído por outra vegetariana, filha do antigo dono da rede de imprensa onde ele trabalhava, finalmente um dia pediram para ele sair da emissora. No lugar colocaram uma mulher, vegetariana radical, que não precisava e nem fazia questão em tecer críticas de minorias. E ele acabou seus dias tentando vender seus livros escritos em idos tempos, já que não conseguia mais inspiração para escrever outras coisas além de críticas contra as vegetarianas.
Isto sem falar que nos últimos tempos desta história ele teve que se render ao vegetarianismo, porque poucos eram os estabelecimentos que ainda serviam carne para os poucos que não eram vegetarianos.
E sem contar que outro preconceito que ele tinha era contra os homossexuais e outros preconceitos contra minorias e da mesma forma ele viu que tudo era inevitável, as mudanças culturais se materializavam por todos os lados, ecoando até mesmo nele mesmo, na sua vida, nas suas práticas e em todos os seus hábitos.


Eliane Carmanim Lima, Porto Alegre, julho de 2008.

Recomenda-se a leitura de  “resposta de ativista” de onde eu copio alguns trechos abaixo.Aliás, diferente das motivações dos "anti-veg" cuja única motivação é nos agredir muitas vezes de forma agressiva, nossa motivação e impedir a exploração animal.
(...)Não queremos agredir, mas temos uma causa. Estamos aprendendo a construir um mundo diferente daquele que temos vivido onde os animais são vistos como objetos de consumo humano. Também estamos aprendendo a criar espaços num mundo que ainda não nos reconhece e não somos uma unidade entre nós, porque ainda não temos um espaço neste universo cultural que compartilhamos e porque somos todos singulares. Mas dentro de nossa pluralidade há um consenso: animais foram feitos para serem livres e não para serem explorados e sacrificados pelos humanos. Como os animais não podem se defender da escravidão e exploração, muitas vezes cruel a que têm sido submetidos, nos unimos neste ideal pelos animais e não contra aqueles que agem e pensam diferente de nós. Apenas queríamos que a humanidade assumisse sua responsabilidade para com estes seres mais vulneráveis e para com a natureza degradada e modificasse sua postura de dominação.

(...) nosso alvo é acabar com o sofrimento de seres inocentes e indefesos e não criar novas disputas ou celeumas. Fazemos parte deste mundo “não-vegetariano” e sabemos como é a ótica antropocêntrica (especista) na qual o mundo ocidental está calcado. Agora pedimos que vejam a nossa ótica e entendam porque agimos assim. Se não estivesse em jogo a vida de animais inocentes agiríamos diferente.Não nos importamos com os hábitos dos outros, mas gostaríamos de acabar com o sofrimento dos animais, que são mais indefesos do que nós, por isto nossas ações. Elas não estão relacionadas diretamente ao que as pessoas fazem ou deixam de fazer, mas ao que acontece a animais que são injustamente explorados e maltratados.

(...)Saibam que nossa intenção não é agredir e sim ganhar um espaço e defender um ideal de respeito e dignidade inclusiva aos animais. Tampouco queremos impor uma forma de vida ou visão de mundo. Entendam que nossas ações são por causa dos animais e não por causa do que outras pessoas fazem ou pensam ou deixam de fazer, mas isto nos leva a um confronto inevitável. Este é o começo de um novo caminho, desconhecido ainda por todos, que é a construção de uma nova forma de viver na natureza e de uma nova forma de conceber a relação do homem com os demais animais e a natureza. Isto pode gerar um conflito entre os que pensam diferente, mas o ideal de libertar os animais do sofrimento nos leva a prosseguir. Estamos neste conflito sendo agentes de uma grande mudança. Nosso único objetivo é a libertação dos animais da crueldade e da exploração humana.(...)

Vegetarianismo sem drama